O Princípio da Revocatória Falencial na Partilha dos Bens Conjugais

Autores: Rolf Madaleno

SUMÁRIO:

  1. Casamento, união estável e regime de bens.
  2. A administração dos bens em condomínio conjugal.
  3. Extinção da comunhão de bens.
  4. Real dissipação do patrimônio comunitário.
  5. Fraude na partilha.
  6. O período suspeito da revocatória falimentar.
  7. Efeitos processuais.
  8. Conclusão.

 

•1.     Casamento, união estável e regime de bens.

             Casamento e união estável figuram no atual cenário jurídico brasileiro, como formas legítimas de constituição de família, destinatárias da propalada  proteção constitucional. Amparo bastante debatido pela doutrina pátria,  questionando se o casamento e a união estável caminham no mesmo sentido, em simples equiparação jurídica, ou se diferentes em compromissos e resultados, justamente porque têm gênese distinta. Olhando sob esta ótica, muitos sustentam a prevalência do casamento sobre a união estável, e dizem ser mostra de que o concubinato ocupa outra escala de valorização social, que pode ser convertido em casamento. Outras vozes defendem a idéia de que, com o advento da atual Constituição, a união estável, enquanto permaneceu carente de legislação reguladora própria, deveria ser disciplinada pelas regras do Direito de Família, enquanto uma terceira opinião aguardava a edição de leis que regulassem as relações oriundas do concubinato, como efetivo ponto de partida de qualquer reconhecimento jurídico advindo de uma relação afetiva nascida da informalidade e que, ousava se apresentar como uma entidade com identidade semelhante a do casamento.

             É certo no entanto, que o instituto da convivência informal acabou merecendo especial atenção do legislador brasileiro ao dedicar dois textos legalmente promulgados para dar forma jurídica à pública relação afetiva verificada entre um homem e uma mulher, que se unem com o propósito de constituir uma sólida entidade familiar. Logo, uma vez delineados pela legislação vigente, os contornos pertinentes à órbita de existência fática da união estável e, desta para o plano de sua eficácia jurídica, cumpre considerar que, tanto o casamento como o concubinato, como organizações sociais que se apresentam na representação de uma entidade familiar, dependem de uma estrutura econômica que lhes permita atingir a finalidade essencial da união pessoal do casal.[1]   

             Trata-se de uma sociedade, conjugal ou concubinária, formada por uma comunidade de pessoas, podendo estar inclusos filhos e, esta sociedade precisa fazer frente à sua cotidiana subsistência e atender com as suas rendas e com seus bens os seus gastos. Como alude Iruzubieta,[2] dando lugar a criação, modificação e extinção de direitos e obrigações entre os próprios componentes desta sociedade e deles para com terceiros.

             Andrea Romano noticia a preocupação financeira já existente na família italiana medieval, quando também o poder estatal era considerado débil e sem condições de garantir o direito singular do cidadão, cuja existência e sobrevivência estava fundada unicamente na segurança e na solidariedade familiar e, neste contexto, ganhava força e prevalência o patrimônio familiar servindo como lastro da plena salvaguarda de seus componentes.[3] 

             O sustento da família fica à cargo da entidade familiar que deve satisfazer suas requisições econômicas com os rendimentos de seus componentes, na proporção do esforço de cada um, ou podem criar um patrimônio acomodado ao uso e às necessidades de sustento da família. Esta organização conjugal econômica está firmada basicamente, em dois conceitos: o de separação e o de comunidade de bens, neste último existindo duas variantes que incluem ou excluem bens com origem ou aquisição anterior ao casamento. A sociedade conjugal e também a concubinária, constituem uma e outra, por identidade de princípios doutrinários, uma unidade jurídica que se faz titular do domínio dos bens que compõem o seu patrimônio, assim compreendida, a massa dos bens conjugais, que não se confunde com os bens particulares e individuais dos sócios conjugais.

             Essa massa de bens advindos da sociedade conjugal ou concubinária reside na união afetiva do casal e na comunidade dos seus esforços voltados para um único objetivo, representado pelo crescimento econômico da sua sociedade afetiva. Dissolvida a união pela perda da sua affectio societatis e já não mais coabitando os sócios conjugais, também desaparece o direito de comunidade de bens, que justamente emerge da comunidade de esforços e de interesses e enfim, de uma convivência que nada mais produz porque deixou de existir.

•2.     A administração dos bens em condomínio conjugal.

             Houve tempo em que o esposo administrava os bens particulares da esposa, além do regime usual da comunhão universal de bens. Juristas eméritos como Endemann, citado por Bevilaqua [4], defendiam o princípio da confiança plena que se estabelecia na comunhão de vida nupcial, tocando ao homem administrar não apenas os seus bens pessoais, os do casamento, mas, também, os bens particulares da esposa, porquanto - aquele a quem a mulher confia o seu corpo, confia também a sua fortuna.

             Atento a estes primados postos com absolutismo no antigo preceito de inferioridade conjugal da mulher, à esposa restava o papel de substituir o marido na chefia da sociedade conjugal, apenas na falta ou nos impedimentos eventuais do marido. A mulher era considerada como mera auxiliar do esposo nos encargos da família. Portanto, e assim pontua com clareza Florisa Verucci [5], o marido era o chefe da sociedade conjugal e o administrador exclusivo dos bens do casal, mas, cuja visão discrimine e profundamente preconceituosa, parece derradeiramente sepultada, ao menos no plano teórico, embora a desejada paridade constitucional dos sexos possa não estar sendo plenamente exercida no seu terreno fático. A Carta Política vigente conferiu à sociedade conjugal o regime de co-gestão, mediante a participação e a colaboração recíproca entre o marido e a mulher, onde ambos administram e deliberam acerca das questões materiais de seu acervo conjugal.[6]

             De acordo com Aluísio Santiago Júnior, o princípio da isonomia conjugal derrubou todas as normas que diferenciavam a mulher do seu esposo, caindo qualquer ascendência jurídica existente, como a masculina chefia do casamento e a sua administração dos bens pertencentes à sociedade conjugal.[7]

             Consequentemente, desaparecendo a inaceitável primazia da prevalência masculina na chefia e administração do casamento com seus reflexos materiais, derruiu de igual, a odiosa prática outrora largamente utilizada, de protelar no tempo os litígios judiciais que demandavam a separação judicial e posterior partilha dos bens conjugais. É que estando o acervo matrimonial sob a livre e exclusiva administração do varão e inexistindo qualquer dever jurídico de render contas enquanto legalmente casado, era natural que houvesse um desmedido interesse do separando procrastinar o término judicial de seu casamento, beneficiando-se ilicitamente, dos resultados econômicos amealhados por obra dos lucros cavados com os bens do casamento que seguiam com o seu livre e imperturbável gerenciamento unilateral.

             E muito embora a administração marital devesse respeitar a conservação, preservação e exploração econômica dos bens comuns,  ao marido estava facultada uma razoável discricionariedade sobre o acervo conjugal, com restrição verificada apenas no tocante aos bens imóveis, cuja disponibilidade sempre careceu da outorga uxoria. Mesmo assim e isto confirma Vidal Taquini [8], eram amplos os poderes de alienação outorgados legalmente ao marido, que procedia como um verdadeiro proprietário, sem obrigação de prestar contas, salvaguardados os direitos da mulher quando a alienação fosse realizada em fraude de seus direitos.

             Existindo contundentes objeções a despeito de admitir qualquer pretensão à rendição de contas na constância do casamento ou alguma alegação de fraude contra o cônjuge administrador, o que significaria introduzir um elemento de discórdia entre os esposos, submetendo-os reciprocamente à impugnações caprichosas, além de instituir uma lamentável insegurança aos atos jurídicos celebrados por pessoas casadas, em desmedro dos direitos de terceiros, conclui  Mazzinghi. [9] Apenas não pode ser esquecido que resultado mais grave pode defluir justamente do sentimento incontrolável de desconfiança que se instala entre cônjuges e companheiros, o temor de estar sendo enganado por aquele em que mais deveria confiar e, neste estágio dos acontecimentos melhor fique tudo às claras, pois, pior do que a discórdia, é o silêncio da desconfiança. 

•3.     Extinção da comunhão de bens.

             Seguindo à risca da interpretação da lei e na esteira de boa parte da interpretação doutrinária, a dissolução do regime de bens só se dará frente às hipóteses textualmente ventiladas no artigo 267 do Código Civil e que se repete no artigo 2º da Lei n.º 6.515/77, a chamada Lei do Divórcio. Desta forma, uma vez extinta a sociedade conjugal pela morte de qualquer dos cônjuges e o mesmo deve ser entendido então com relação aos concubinos, tem-se por dissolvido o seu correlato regime de bens. Afora a causa natural de terminação do casamento, devem ser acrescentadas as causas humanas de extinção do vínculo conjugal ou de união estável, como a separação judicial e a dissolução da sociedade de fato, a anulação ou nulidade do casamento e o próprio divórcio. Na arguta opinião de Zeno Veloso [10] são taxativas as causas de extinção da comunhão de bens enumeradas no art. 267 do Código Civil, não merecendo interpretação extensiva, muito embora existam julgados no sentido de declarar a incomunicabilidade patrimonial de bem adquirido por compra de cônjuge que está separado de fato do outro, que, de modo algum, nem moral ou materialmente, colaborou ou ajudou para a aquisição. É que para outra significativa parcela da doutrina, constância do casamento eqüivale à coabitação e se os consortes já não mais convivem sob o mesmo abrigo, de ordinário chamado de domicílio conjugal, esta fática e irreversível separação causada voluntariamente pelo casal, que rompe por sua conta a preexistente coabitação, retira deste casamento o sentido e a razão da conjunção dos interesses materiais, daí que conclui em trabalho específico sobre os efeitos materiais da separação de fato, que, verter para dentro da sociedade conjugal bens já não amealhados no concurso da sociedade nupcial implicaria judicializar o próprio e sempre afastado princípio do enriquecimento sem causa.[11]

•4.     Real dissipação do patrimônio comunitário.

             Postas as indispensáveis premissas tangentes ao tema sob comento, insta considerar dois importantes pressupostos, capazes de inspirar e justificar a aplicação do princípio da revocatória na partilha dos bens conjugais ou concubinários.

             O primeiro destes requisitos está condicionado ao indissociável entendimento de que o regime de bens termina invariavelmente, com a irreversível separação de fato do par conjugal ou concubinário. Além dessa conclusão, é forçoso considerar que a isonomia sexual na administração do acervo conjugal ou mesmo do patrimônio comum àqueles unidos estavelmente, ordena render contas desta gerência individual, sempre que exigido pelo parceiro co-proprietário, quer se trate da mulher ou do varão.

             Assim posto, estas contas poderão ser pedidas a qualquer tempo, enquanto não promovida a partilha judicial dos bens que compõem o patrimônio dos cônjuges ou concubinos, mesmo porque, enquanto indivisa a massa conjugal, segue imprescritível a pretensão judicial à meação de cada cônjuge ou concubino. [12] Será marco final para cômputo e apuro do montante desse acervo comum, a possível separação de fato do par afetivo ou a dissolução judicial do seu relacionamento, isto quando a união não se extingue pela morte de qualquer um de seus integrantes, circunstância que demandara o processo de inventário e uma possível ação precedente que declare a convivência quando houver sociedade de fato.

             Contudo, releva considerar para efeitos de inovação no tratamento processual da partilha litigiosa dos bens de um casal que promove a sua separação judicial ou a dissolução de seu concubinato, que o marco fático para a apuração do real e exato acervo matrimonial já não mais poderá ser considerado apenas, como sendo aquele levantado em coincidência temporal ao ingresso da ação de separação litigiosa e nem mesmo será suficiente exigir que o parceiro com temor de estar sendo logrado na equânime partilha,  ingresse obrigatoriamente, com preparatória demanda cautelar que arrole ou seqüestre a sua meação conjugal. Não que a medida preventiva tenha perdido a sua função estratégica de conservação de bens comuns, sendo sempre aconselhável a sua propositura para coibir qualquer movimento ilícito de sangriana meação conjugal do autor da ação cautelar. O que não mais pode ser aceitado, é que os bens existentes para a justa divisão do patrimônio nupcial ou concubinário, somente sejam considerados dentre aqueles bens passíveis de arrolamento e ainda sob o domínio conjugal parelho ao ingresso da ação separatória ou da eventual demanda cautelar precedente. Seria consagrar a santa ingenuidade, olvidando-se que significativa parcela dos bens é dissipada em período que antecede à separação, exatamente para que pouco reste a ser dividido com aquele parceiro que vem esboçando sua admoestação com o prosseguimento da relação, ou então, noutra corriqueira variante, para que pouco reste para aquele parceiro que não foi capaz de precisar a indispensabilidade vitalícia do companheiro que quer abandonar.

             Portanto, o marco para o inventário dos bens conjugais nem sempre será o ingresso de uma ação judicial que encaminhe os procedimentos necessários à ruptura processual da união dos meeiros.            

             É que em seara tão delicada, como a de divisão de bens amealhados dentro de uma sociedade constituída pelo afeto que se desfaz, ordinariamente é preciso ir adiante destas falsas fronteiras físicas da separação, obrigando ao atilado e criativo decisor dar margem e condições judiciais para a pesquisa retroativa do destino dos bens conjugais. Evita com este gesto processual que haja desleal dissipação do monte partível e, evita que parceiro ressentido, com malícia e condenável astúcia, lese a meação de seu consorte, apenas inspirado pelas dissensões subjetivas de seu coração e reverta o natural crescimento do cabedal conjugal que foi construído pelo trabalho conjunto dos cônjuges, erguido pela lei e pelo desejo romântico de garantir em tempos de crise, aos que se iniciam numa sociedade afetiva, o sustento e a segurança de uma possível instabilidade econômica, pois que de outro lado, as inseguranças do afeto prescindem de outros ingredientes, que se misturam entre si e que cicatrizam as feridas da ruptura também com a cautelosa ajuda do tempo.

5. Fraude na partilha.

             A boa-fé é princípio geral de direito, como regra moral, deve reinar soberana, em todos os níveis e segmentos das complexas relações humanas. Pothier, citado por Judith Martins-Costa[13], destaca em passagem do seu livro Traité des obligations, ser contrário à boa-fé tudo que se distancia da sinceridade e, "na medida em que nos é ordenado amar ao nosso próximo como a nós mesmos, não nos pode ser permitido de lhe esconder nada do que nós não gostaríamos que ele nos escondesse, se nós estivéssemos no seu lugar."

             Amor e boa-fé seguem juntos na trilha progressista do matrimônio, pois casamento é confiança disse Françoise Chevallier-Duma e "fraude é mentira - o matrimônio é simplicidade e felicidade, a fraude é sutileza complexa e desacordo. Em situação normal, os esposos entendem-se e oferecem a imagem reconfortante do casal feliz e unido. Porém, se a situação modifica-se, e no casal instala-se, seja o desacordo, seja a mentira, aí há crise e os interesses se enfrentam. A fraude então, se infiltra em todas as partes."[14]

             Com o avizinhamento da separação judicial ou mesmo da dissolução de uma união estável também constituída num regime legal de comunidade de bens, dentre os diversos efeitos que resultam da liquidação da sociedade afetiva, cria-se para os partícipes, a expectativa de receber a metade dos bens que são comuns à massa nupcial ou concubinária e que correspondem ao lastro econômico construído pela atuação material e imaterial de cada um dos cônjuges ou concubinos, pois aceitam em princípio, diante da boa-fé que deve reinar entre os consortes, que o cônjuge administrador tenha atuado sempre no caminho da conservação do patrimônio comum e que não lhe tenha alterado a consistência. Crença decorrente do princípio da igualdade dos nubentes e de conseguinte, da paridade das quotas do patrimônio comum, como faz ver Gabriella Stanzione.[15]

             Contudo, o resistente Código Civil brasileiro está totalmente despreparado para conservar intactos os bens conjugais, de molde a poder garantir a sua igualitária partilha entre os cônjuges, onde cada um deveria em princípio, receber uma idêntica e equivalente meação. Assim como os recentes estatutos concubinários nada trouxeram de novidadeiro, com fincas a evitar que o fácil trânsito da fraude na administração dos bens comuns de uma união estável sofram o devastador efeito que dissipa e desfigura a meação que compõe o acervo material do outro companheiro que está alheio à gestão dos bens.     

             Logo, ante a fragilidade da legislação pátria e frente à irresistível compulsão de que parecem padecer rotineiramente, os parceiros administradores do patrimônio comunitário conjugal, tem sido comum verificar um desmedido esforço de certos cônjuges que se empenham em reduzir a participação material de seu desavisado companheiro na liquidação judicial do acervo matrimonial ou concubinário. Já disse com muita pertinência Leila Melo [16], que " no casamento, é freqüente ocorrer a fraude, praticada por um dos cônjuges, no período que antecede a separação, dissipando bens comuns, a fim de poucos restarem para a partilha. É neste período que ocorrem liberalidades em favor de amigos ou parentes, venda de bens a preço vil, emissão de títulos de crédito em favor de terceiros com garantia real privilegiada, e demais outros artifícios engendrados pela fértil imaginação. Assim, ao se efetivar a separação, realiza-se a partilha somente de poucos bens que restam ao casal."

             São variadas as formas de fraudar a credulidade do parceiro  vitimado, sendo instrumento atual e corrente, a manipulação societária, com as rápidas transformações de sua tipificação social, permitindo ingressos e retiradas de sócios e de sociedade, transferência de ações, compra ou esvaziamento de ativos comerciais, em atividades silenciosas e totalmente dispensadas da outorga uxoria. [17]

             Sendo comum o ânimo fraudatório nas relações afetivas de cônjuges ou concubinos em via de dissolução de seu casamento de fato ou de direito, torna-se de singular importância atentar para a circunstância de que estas lesivas práticas ordenadas para frustrar a justa partilha, não começam às vésperas do processo separatório ou quando do ingresso de qualquer ação cautelar precedente. O singular e desvelado detalhe do juiz vinculado pela distribuição ao processo judicial de dissolução conjugal e correlata partilha do acervo econômico dos litigantes, está em pesquisar, quando houver acusação de fraude, todos os atos de disposição praticados pelo consorte administrador num período razoavelmente precedente ao ingresso do processo litigioso de separação de pares conjugais desavindos.

             O ruinoso processo de diminuir deliberadamente o patrimônio conjugal tem um largo período precedente de incubação, onde, de regra o marido, entre outras práticas de fértil fraude, se vale de simuladas dívidas, de interpostas pessoas e do uso abusivo da sociedade mercantil e protagoniza um sem número de curiosos e de certo modo, apressados atos de disposição no afã de falsear o resultado da partilha dos bens nupciais. É possível que os bens comunicáveis dos esposos e concubinos possam ter saído legitimamente de seu patrimônio, adverte María Josefa Méndez Costa[18], mediante o exercício regular de suas faculdades dispositivas, porém, fatos freqüentes ilustram que tenham saído em virtude de um negócio simulado ou de um negócio verdadeiro que obedece à intenção de prejudicar o consorte, sendo  no entretanto, ingênuo e ultrapassado, presumir que a fraude só possa ser discutida se tiver sido perpetrada depois de iniciado o processo de separação judicial, validando como advogam muitos, os atos de livre disposição dos bens realizados pelo esposo em plena constância do casamento, muitas vezes levados à efeito com o expresso consentimento do cônjuge, de quem foi colhida a assinatura para o ato de sucessão do bem ou por vezes, valendo-se de antigo procuratório lavrado em notas públicas num tempo em que pairava a mais invejável harmonia nupcial.

             A fraude à meação é a fraude ao regime conjugal ou concubinário que estabelece a comunidade de bens, e deve ser reconhecida indiferente à preexistência de norma concreta que regule o momento próprio de sua discussão, buscando decifrar se compreenderia ou não, período anterior ao aforamento de qualquer litígio familiar denunciativo da crise conjugal. Desimporta o momento, porquanto, importa sim, a ocorrência da fraude, como bem prenota com pertinência Regis Pereira [19], quando refere que: "A regra sobre fraude à lei é regra destinada a impedir que ocorra a violação indireta da lei cogente."   E cogente apresenta-se cada um dos dispositivos pertinente ao regime de bens eleito pelos cônjuges com o casamento, data em que passa a vigorar, tornando-se irrevogável do casamento em diante, de acordo com o artigo 230 do Código Civil, devendo ser coactadas quaisquer tentações engendradas pelo consorte que por patológica vingança tenta frustrar as expectativas de partilha de seu parceiro.

6. O período suspeito da revocatória falimentar.

E toda essa preocupação faz sentido quando verificado no plano prático que a fraude conjugal tem sido historicamente, a disputa mais destacada dos processos familiares, quase sempre dissimulado numa dualidade que envereda para a discussão acerca das causas culposas da separação.

              Este traço singular das demandas litigiosas que encenam a pesquisa da culpa conjugal, mereceu um feliz remate de Víctor Reina, digno de  transcrição, ao avaliar a estranha senda de dramatização da separação, pois: " o mais grotesco da situação é que a legislação conceda uma importância aparente à separação baseada na culpabilidade dos cônjuges, propiciando assim, que discórdias processuais sejam semeadas, para que depois isto nada de nada sirva, posto que os efeitos da separação (filhos, economia), que é o que importa, serão estabelecidos por critérios objetivos e sem nenhum vínculo com a culpabilidade." [20]

             Dentro do gênero fraude aos bens conjugais ou concubinários, a prática focaliza com mais freqüência, os atos de um cônjuge ou concubino que, antevendo a ruína de sua união, culpa seu parceiro pela frustração dessa ruptura e maneja em represália, a ruína da meação de seu consorte. Diante deste quadro, não é infreqüente deparar com artifícios contratuais que buscam elidir um legítimo interesse oriundo da meação de um dos cônjuges ou companheiro, valendo-se de negócios frios e até mesmo verdadeiros, celebrados na vigência do regime patrimonial com a única intenção de prejudicar o resultado final da partilha, enriquecendo-se à custa da meação de seu consorte ou simplesmente, deleitando-se pelo prazer de haver causado o empobrecimento da meação de seu antigo par.

             Juízos familistas seguido censuram em suas decisões judiciais, maquinações concebidas pelo cônjuge que busca escapar da equânime partilha através da fraude.

             Nesta patológica ânsia de buscar algum ilícito resultado da conjugal divisão de bens, subtraindo da partilha bens comunicáveis do parceiro, demonstra a experiência e a doutrina  não se esquiva de retratá-lo, que o consorte mal intencionado cuida de por em antecedente prática, os mais variados atos de disposição dos bens pertencentes aos futuros contendores, ora desfazendo-se  de bens móveis, até por preço vil, simulando negócios, criando dívidas ou contratando onerosamente, quando não está noutra corriqueira inspiração, repatriando as economias conjugais.

             Não obstante todas essas hipóteses de fraude tenham sido perpetradas com a notória intenção de causar um prejuízo ao outro consorte, para boa parte da doutrina, só a efetiva separação judicial poria termo final ao regime de bens, embora algumas vozes retrocedam no espaço para alcançar o termo inicial na separação de corpos.[21] 

             É correto considerar com prioridade absoluta, que nesses conturbados relacionamentos afetivos existe sempre o arbítrio de causar o dano e a consciência de querer causá-lo, como destaca Pontes de Miranda, de ser suficiente "que o devedor tenha conhecimento de que o ato jurídico causa o dano, ou que vai causá-lo." [22]

             Mostra a experiência forense com as separações judiciais, que precede ao processo separatório uma chamado período suspeito[23] permitindo por empréstimo do Direito Falimentar Brasileiro, sejam buscados os pressupostos fáticos e jurídicos que consagram, recomendam e ordenam a aplicação do indissociável princípio da revocatória falencial , que chama para trás, convoca a volta dos atos de gestão do esposo que atuou como administrador das riquezas conjugais.

             Tal qual o comerciante quando antevê a quebra, na ânsia de superá-la, quase sempre dispõe dos bens ou assume obrigações que superam a capacidade produtiva da empresa[24], também o cônjuge quando arrostado a enfrentar a ruptura conjugal contra a sua vontade ou por sua livre iniciativa, estando disposto a ferir a ética conjugal e a romper a lealdade conferida pelo natural mandato de gestão dos bens conjugais, frustrando as divisões idealizadas pela comunidade de bens, com efeito que ele pratica esses atos dentro de um período anterior ao processo de separação, cuja distribuição judicial ele procura postergar ao máximo.

             Para Sampaio de Lacerda o período suspeito da falência respeita a fato de que: "estado de colapso patrimonial tem necessariamente um período de incubação que se desenvolve mais ou menos anormalmente, procurando o devedor, através de várias atitudes, evitar o marasmo. Por isso a lei considera certos atos praticados pelo falido, num período que antecede a sentença declaratória, como ineficazes e revogáveis, visando , com isso, a evitar a desigualdade entre credores e beneficiá-los em conjunto."[25]

             Em nada diverge o colapso patrimonial quando o cônjuge, às vésperas de uma crítica separação tem como prioridade apartar-se da partilha igualitária, tencionando fugar-se com os recursos econômicos que amealhou por sub-rogação de precedentes transações maliciosas.

             Para evitar a debilidade do patrimônio, com atos que iniciam muito antes da formal separação, há coerente resultado judicial em recorrer ao princípio da revocatória falencial para revogar os atos considerados prejudiciais à massa de bens conjugais ou concubinários.

             Falando sobre a falência, Nelson Abrão [26] esclarece ser função da revocatória restituir à massa o bem que indevidamente o devedor se despojou ou tornar sem efeito as garantias oferecidas, para restabelecer o primado do status quo ante . Christiano Almeida do Valle [27] ao tratar genericamente dos atos falenciais revogáveis, explica que este rigor da Lei Falimentar tem a função de manter o equilíbrio da sociedade, ao retirar qualquer eficácia dos atos que reduziram as garantias da massa falida, em notório prejuízo aos credores, ou mesmo sua revogação quando patente o intento lesivo.

             Assim de igual pode ser aplicado à rota sociedade conjugal quando ela encerra uma era onde os interesses dos esposos geralmente colidem entre si. Na falência não há que ser provado o estado de insolvência ou de impontualidade do devedor, para decreto de ineficácia dos atos praticados pelo falido, antes da quebra. [28] Por analogia ao princípio da revocatória falencial, também no casamento e na união estável deve o juiz pesquisar e identificar no tempo que precedeu ao primeiro processo litigioso ferido entre um casal, o período considerado suspeito, e porque belicoso, largamente utilizado para extravasar ressentimentos e tentar cicatrizar com o recurso da vingança material, feridas que são abertas pelas desinteligências conjugais.

             Com esta poderosa ferramenta processual o magistrado pode eliminar as mazelas que são ilícita e indevidamente geradas por uma precipitada senda fraudatória que põe em prática, crucial liquidação do patrimônio nupcial, reduzindo sensivelmente a massa conjugal do sócio afetivo. São riquezas recolhidas pelo varão que recarrega o seu poder e procura estabelecer um relação de total controle econômico sobre a sua parceira, na arquitetada esperança de que ela sendo privada de seus bens conjugais, exaurida de recursos financeiros, veja-se na contingência da desigualdade pela dependência, despertando fantasmas que pareciam ter sido enterrados pelos velhos modelos conjugais que se regiam pelo poder oculto do dinheiro.

7. Efeitos processuais.

             Negócios jurídicos fraudulentos podem ser anulados por meio de ação revocatória ou da ação pauliana. É ação que busca tornar ineficaz o ato praticado em fraude contra credores, para conservar o patrimônio do devedor insolvente. A ação revocatória só pode ser proposta por quem já era credor ao tempo dos atos fraudulentos.[29]

             Maria Josefa Méndez Costa[30] alerta que os bens de um dos esposos podem até ter saído legitimamente de seu patrimônio, mediante o normal exercício de suas faculdades dispositivas, porém, é perfeitamente imaginável e ilustrado por fatos freqüentes, que tenham saído em virtude de um negócio simulado ou de um negócio verdadeiro que obedece à intenção de prejudicar o consorte. Portanto, o fundamento da ineficácia relativa decorrente do princípio da revocatória, a permitir que o magistrado fique atento ao tempo e às reais razões de disposição de bens, consiste, disse o saudoso Francisco José Ferreira Muniz[31] "na simples previsibilidade de prejuízo que acarretará aos credores, isto, com culpa; ou no seu efetivo conhecimento, de dolosa disposição patrimonial, em se tratando de ato anterior ao surgimento do crédito, a fim de preconstituir uma situação de insolvência."

             Uma vez aplicada a fraude aos bens conjugais no chamado período de incubação, a petição inicial de separação judicial contenciosa deverá tratar do tema, denunciando entre os demais pressupostos próprios de uma ação litigiosa de desquitação, também detalhando os atos de desvio e de maliciosa dissipação destes bens que convém sejam igualmente declinados. Pouco importa se trate de atos realizados com a fachada de legitimidade e com a autoridade do livre exercício das funções de administrador do acervo econômico nupcial.

             Assim, a par do relato das causas do fracasso do casamento e demais contingências processuais requisitadas para uma contenciosa separação judicial e não requisitadas necessariamente, para a ação de dissolução da sociedade de fato, com efeito, que em qualquer uma das típicas demandas processualmente previstas para desfazer casamento ou união estável, existindo denúncia de fraude patrimonial deflagrada às vésperas da ruptura judicial do relacionamento conjugal, com o censurável propósito de elidir a equânime divisão dos bens comunitários, comete ao julgador o indeclinável dever de pesquisar o período considerado suspeito, para nele buscar a possível coincidência de duas vontades, dois ânimos que ressaltam pelas evidências fáticas do histórico do casal em litígio separatório - o ânimo da separação e o desejo correlato de fraudar a expectativa de sua igualitária partilha.

             Presentes a vontade separatória e as atividades concretas que buscaram burlar a partilha, como é de hábito,  que a fraude preceda à partilha, cuida apenas o cônjuge fraudador de evitar que ingresse a demanda litigiosa de separação. E para inibir o ajuizamento do processo, enquanto se serve do tempo para concluir os desvios já postos em plena execução, para distração do consorte imbuído da mais absoluta boa-fé quase beirando à extrema ingenuidade, vale toda a sorte de argumentos, passando por retóricas evasivas, ou explorando culpas e o típico papel de vítima dos efeitos nefastos da indesejada separação, até arrastadas delongas que sempre acenam com a possibilidade de uma breve e desdramática solução amistosa, que estranhamente, sempre esbarra num tolo empecilho.

             Passados estes recursos cênicos e revelados os truques aplicados pelo parceiro fraudador para desenhar um novo perfil de redistribuição e remarcação das riquezas conjugais, depara o parceiro vitimado com o depauperamento de sua meação, tudo sucedido por obra de atos notoriamente fraudulentos, praticados por seu cônjuge ou companheiro para, exatamente burlar a sua legítima expectativa de receber o seu acervo nupcial. A fraude causada no período de completa suspeição, ante a indisfarçável instabilidade do casal, que depois bateu às portas do Judiciário, acolhe a sanção judicial de sua nulidade. Dissipar a meação em acintoso prejuízo ao outro cônjuge, pelo vício da aética fraude ao patrimônio matrimonial, é lesão que fere disposição de ordem pública do regime comunitário de bens. Deve ser combatida pelo decreto judicial que lhe sentencie a incidental nulidade, se ainda for possível trazer de volta ao acervo do casal os bens desviados, ou se a transação de suposta transferência de bem conjugal envolveu terceiro complacente, numa cumplicidade de notória má-fé,  que simula negócios meramente aparentes. À exemplo da revocatória falencial, sentença judicial anula e declara ineficazes quaisquer desses negócios ou ato jurídicos que perpetrados pelo consorte inspirado na mera malícia, tentaram aliviar o valor originário do patrimônio conjugal. Efeito natural é haver como inexistentes essas fraudulentas sucessões e para fins de partilha segue sendo considerada a composição originária dos bens conjugais ou concubinários.

             Situação semelhante ocorre com o mau uso societário, permitindo a aplicação processual da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sempre que o cônjuge administrador, ao invés de buscar a cumplicidade de pessoa física, que os franceses denominam de ami complaisant , utiliza-se do artifício do ente jurídico, fazendo verter o patrimônio nupcial para a sociedade comercial, ou mesmo sub-capitalizando a empresa, isso quando dela não se retira ou transfere suas ações ou quotas, para não falar da hipótese de transformação da figura societária.[32]

             Por outro ângulo, se os bens já deixaram de constar do acervo original porque a fraude envolveu atos jurídicos ditos formalmente perfeitos, com transferência onerosa para terceiro imbuído de indiscutível boa-fé, a ação judicial de separação litigiosa permite que o decisor declare em sua sentença a existência da fraude praticada pelo parceiro que estava na posse e na administração dos bens e decline fundamentadamente, no bojo de sua decisão, quais os pontos de amarração, quais os indícios e as presunções que o fizeram identificar no tempo e no espaço o período de incubação, que ao espelho da revocatória falimentar, por se tratar de um período de extrema suspeição, retira a voz e os efeitos do consorte contratante e, se inviável a recuperação dos próprios bens desviados, que se efetue a sua devida compensação, dentre aqueles bens que remanescem no acervo comum ou até pela compensação de caráter indenizatório, com eventuais bens particulares do cônjuge autor da fraude.  A que se dar atenção à teoria das recompensas surgida no século XVI e enunciada por Pothier, como sendo a medula do sistema conjugal de bens, em que: "cada um dos cônjuges é , ao tempo da dissolução da comunidade, credor de tudo aquilo com o que a comunidade enriqueceu às suas expensas, durante o tempo em que ela durou; e já ao inverso, todas as vezes que um e outro dos cônjuges tenha enriquecido às expensas da comunidade, ele lhe deve a recompensa." [33]   

             Dar de ombros para quaisquer destas soluções que visam a reconstituir a equânime partilha e ao revés, seguir aplaudindo o antigo modelo familiar, em que o marido tinha soberania sobre os bens conjugais e a esposa só podia dividir os que restassem ao tempo da dissolução judicial da união, mesmo à vista de teimosos indícios da mais pura fraude à sua meação, seria negar a emancipação da mulher e consagrar o enriquecimento ilícito.

8. Conclusão.

            Postas essas premissas, onde nessa quadra dos acontecimentos são sentidas profundas e importantes modificações de estrutura, da tradicional modelagem familiar brasileira, que se adapta à realidade de uma nova conjuntura social e econômica e inspira a formação de pequenos núcleos de convivência afetiva, parece razoável que o julgador e demais pessoas comprometidas com a operacionalidade do direito, permitam-se à criação de  técnicas e mecanismos de mínima efetividade processual. De nada serve manter-se apegado a princípios de direito ainda ligados à idéia do absolutismo incondicional da ordinária chefia conjugal masculina e assim, cerrar portas para quaisquer evidências de fraude à meação conjugal da mulher. Conceitos e valores devem ser revisitados no Direito, especialmente no âmbito do Direito de Família, ramo do Direito Privado em que ingênuo silêncio e cômoda omissão, são posturas inconciliáveis com a moderna ciência jurídica, que se encarrega de proteger a família constituída pelo casamento ou pela estável união, por entender e sabiamente, servirem à inquestionável estrutura estatal.

              Repugnaria ao mais simples sentimento de justiça, deixar que esposos favorecidos pela livre administração do acervo patrimonial, pudessem prejudicar a meação de seu par, valendo-se dos infindáveis meios existentes para lograr o montante final da meação de seu consorte. O verdadeiro direito não se coaduna com ilícitas artimanhas postas em maliciosa prática à serviço do cônjuge ou companheiro fraudador e que apenas objetiva se apropriar das pequenas, ou mesmo das grandes riquezas construídas em comum com a pessoa, cujo existência completava o seu mais íntimo desejo de amor.

           E se num estágio da vida fica desfeito este pacto de amor, lei alguma no Direito brasileiro ordena, aconselha ou sugere que as perdas afetivas possam ser compensadas pela fraude conjugal, posta em atividade pelo parceiro ressentido ou ganancioso, que se julga capaz de burlar a legítima de seu companheiro.

           De outra parte, comete criar mecanismos jurídicos que dêem efetivo comando de desestímulo à prática corrente da generalizada fraude à meação conjugal ou concubinária. Decisões judiciais que nulifiquem ou desconsiderem na própria sentença de dissolução dos vínculos conjugais ou de concubinato, quaisquer desses atos ou negócios, reais ou simulados, mas que tiveram por único objeto, fraudar e frustrar a expectativa de uma honesta partilha judicial.

           A mesma sentença que dissolve a união manchada pela fraude ao cônjuge, também permite que ele recupere a sua integral porção conjugal ou concubinária, declarando inoponíveis os atos de fraudulenta transmissão ou, permitindo que o dano causado pela fraude consciente e com o seu resultado livremente desejado, seja compensado com bens remanescentes do esposo autor da fraude conjugal. Isso já pronunciavam os Mazeaud[34], ao destacarem a jurisprudência francesa, já de muitas décadas passadas, admitindo a anulação de atos anteriores à demanda de divórcio, quando um dos esposos mirando o divórcio, punha em prática a fraude patrimonial. É notório princípio de direito, de há muito posto à serviço para combate processual ao ganancioso enriquecimento ilícito, apenas que precisa se valer da ampliação de suas acanhadas fronteiras, ainda ingenuamente limitadas pela dissolução oficial da união, como se decisões pessoais de rompimento de relações afetivas jamais pudessem ser antecedidas de planejadas alienações com o firme propósito de reduzir substancialmente os recursos e as condições econômico-financeiras do cônjuge promotor da separação, alto preço cobrado pelo sofrimento da rejeição. Meações lesadas pela fraude conjugal precisam ser repostas por decisões judiciais moldadas com o perfil da coragem, conciliando realidade e justiça, pois de pouco adianta evocar a evolução dos tempos, quando antigas crenças, ainda esgrimem com a intangibilidade da administração patrimonial conjugal, sustentando que a separação contenciosa é o marco oficial da partilha dos bens apanhados na data de ingresso da demanda processual e até lá nenhuma voz pode ser retirada  do cônjuge administrador.       

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* Advogado Familista, Professor de Direito de Família na Unisinos/RS, Presidente do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, Secional do Rio Grande do Sul, Autor dos livros - Direito de Família, Aspectos Polêmicos e A disregard  e sua efetivação no Juízo de Família, ambos publicados pela Livraria do Advogado Editora.

[1] MAZZINGHI, Jorge Adolfo. Derecho de familia, Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, Buenos Aires, Tomo 2, 3ª edición, p.142, 1996.  

[2] IRUZUBIETA, Carlos Vázquez. Régimen económico del matrimonio, Editoriales de Derecho Reunidas, Madrid, 1982, p.11.

[3] ROMANO, Andrea. Famiglia. sucessioni e patrimonio familiare nell‘ Italia medievale e moderna, G. Giappichelli Editore, Torino, 1994, p.17.

[4] BEVILAQUA, Clovis. Direito da Familia, Livraria Editora Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1933, 5ª ed, p.199.

[5] VERUCCI, Florisa. O direito da mulher em mutação, Del Rey, Belo Horizonte, 1999, p.73.

[6] LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de Direito Civil, 5º vol. - Direito de Família e das Sucessões, Sãp Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 1999, pp.49-50.

[7] SANTIAGO JÚNIOR, Aluísio. Direito de Família, aspectos didáticos, Inédita, Belo Horizonte, 1998, p.151.

[8] TAQUINI, Carlos H. Vidal. Régimen de bienes en el matrimonio, Astrea, Buenos Aires, 3ª ed, 1993, p.225.

[9] MAZZINGHI, Jorge A. . Derecho de Familia, Editorial Ábaco, Buenos Aires, 1972, t.II, , n.º 299, p.386.

[10] VELOSO, Zeno. Regimes matrimoniais de bens, In Direito de Família contemporâneo, coordenado por Rodrigo da Cunha Pereira, Del Rey, Belo Horizonte, 1997, p.167.

[11] MADALENO, Rolf. Efeito patrimonial da separação de fato, In Direito de Família, aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1998, 1ª ed, pp.105-106.

[12] Ver nesse sentido o artigo intitulado Meação e prescrição, de Rolf Madaleno, In Direito de Família, aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1ª ed, 1998, pp.35-46

[13] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p.199.

[14] CHEVALLIER-DUMAS, Françoise. La fraude dans les régimes matrimoniaux, en Revue Trimestrielle de Droit, 1979, pp. 40 e ss., n.º 3. Citado por María Josefa Méndez Costa, em seu trabalho intitulado Fraude entre conyuges, inserto no livro Derecho de Familia Patrimonial, Rubinzal-Culzoni Editores, Buenos Aires, 1996, p.241.

[15] STANZIONE, Gabriella Autorino. Diritto di famiglia, G. Giappichelli Editore, Torino, 1997, p.380: "Il principio di eguaglianza dei coniugi e quello conseguente di parità delle quote del patrimonio comune impongono la regola dell'amministrazione della comunione da parte di entrambi i coniugi in posizione paritaria."

[16] MELO, Leila Corsi Diniz. A fraude praticada antes e durante a separação judicial, como meio impeditivo da partilha equânime, em síntese da monografia que apresentou à Universidade de Franca para aprovação no curso de Pós-graduação Lato Sensu.

[17] MADALENO, Rolf. A disregard e a sua efetivação no Juízo de Família, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1999, p.32.

[18] COSTA, María Josefa Mendez. Fraude entre conyuges, In Derecho de familia patrimonial, Rubinzal-Culzoni Editores, Buenos Aires, 1996, p.248.

[19] PEREIRA, Regis Fichtner. A fraude à lei, Renovar, Rio de Janeiro, 1994, p.97.

[20] REINA, Víctor. Culpabilidad conyugal y separación, divorcio o nulidad, Ariel, Barcelona, 1984, 1ª ed, p.114.

[21]Assim foi um exemplo o Rec Esp. n.º 8.716-0 do RGS, Rel. Min. Cláudio Santos e com a seguinte ementa: " Separação de corpos. Efeitos patrimoniais. Lei n.º 6.515/77, art. 8º. A retroação dos efeitos da sentença que extingue a sociedade conjugal alcança a data da decisão concessiva da separação de corpos, desfazendo-se aí os deveres conjugais, o regime  matrimonial e a comunicação de bens. Recurso que se nega provimento."

[22] MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações, tomo 4, Bookseller, São Paulo, 1999, p.335.

[23]Maria Tereza Maldonado escreve no seu livro Casamento, término e reconstrução , Vozes, 2ª ed., Petrópolis, Rio de Janeiro, 1986, p.116 - "que o homem costuma usar o poder econômico para infernizar a vida da mulher ou para atrasar a concretização da separação, por exemplo, apresentando propostas inadequadas."

[24] Colocações postas por Yussef Said Cahali, In Fraude contra credores, RT, São Paulo, 1989, p;546.

[25] LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de Direito Falimentar, Freitas Bastos Editora, Rio de Janeiro, 13ª edição, 1996, p.142.

[26]ABRÃO, Nelson. Da ação revocatória, 2ª ed., Universitária de Direito, São Paulo, 1997, p.123.

[27]VALLE, Christiano Almeida do. Teoria e prática das falências e concordatas , AIDE, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1985, p.26. Sobre os atos ineficazes e revogáveis da falência, o jurista Trajano de Miranda Valverde, nos seus Comentários à Lei de Falências , vol. I, Forense, Rio de Janeiro, 1948, p.330, diz textualmente que tais: "prescrições legais visam à defesa dos credores contra os atos prejudiciais aos seus interesses, praticados pelo devedor, antes ou depois da falência, ora exigindo a prova da fraude, ora presumindo-a, ou afastando-a para só ver no dano aos credores a razão bastante para declarar a ineficácia, ora os havendo por nulos, porque executados por quem não mais administrava o seu patrimônio nem dele podia dispor."  Rubens Requião, no seu Curso de Direito Falimentar , Saraiva, 1975, São Paulo, 1º vol., pp.188/189, é taxativo no expor que: "Não importa à lei, na construção da ação revocatória na falência, que o contratante esteja ou não de boa-fé, e que ao contratar com o devedor, às vésperas da falência, tenha tido ou não conhecimento dos sintomas ou do estado de insolvência do devedor.  À lei, nesse aspecto, não interessa saber da inocência ou cumplicidade de quem participou, como parte, da prática do ato. A ação não visa punir fraude ou dolo, mas declara a ineficácia pelas simples e natural circunstância de que o ato prejudicial à massa de credores foi praticado."

[28]Conforme lição de José da Silva Pacheco, Processo de falência e concordata , Forense, Rio de Janeiro, 6ª ed., 1995, p.339.

[29] AMARAL, Francisco. Direito Civil, introdução, Renovar, Rio de Janeiro, 2ª ed, 1998, pp.495-496.

[30] COSTA, María Josefa Méndez. Fraude entre conyuges , artigo inserto na Revista de Derecho Privado y Comunitario, Ob. cit., p.248.

[31] MUNIZ, Francisco José Ferreira. Textos de Direito Civil , em artigo intitulado de Notas sobre a ação revocatória, Curitiba, Juruá, 1998, p.24.

[32] Para um estudo um pouco mais aprofundado a despeito da desestimação da personalidade jurídica no Direito de Família, ver o livro intitulado A disregard e a sua efetivação no Juízo de Família, de Rolf Madaleno, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1999.

[33] Citado por Guillermo A. Borda, Tratado de Derecho Civil, Familia, Tomo I, 8ª edición, Editorial Perrot, Buenos Aires, 1989, p.354.

[34] MAZEAUD, Henri Léon e Jean. Lecciones de Derecho Civil, Volume IV, Ediciones Jurídicas Europa-América, Buenos Aires, 1976, p.482.