Divórcio e Dano Moral
Autores: Rolf Madaleno
Rolf Madaleno
1. O acórdão.
A Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, sendo Relator o Des. Marlan de Moraes Marinho, na Apelação Cível n.º 14.156/98 ( acórdão de 13 de maio de 1999), assim decidiu:
EMENTA
DIVÓRCIO. DANOS MORAIS. REPARAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. Admitindo-se que o casamento é um contrato, não se pode deixar de notar que ele não se assemelha ao contrato do direito patrimonial. Embora esteja submetido à livre vontade das partes, não podem estas estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Por isso, as controvérsias decorrentes de sua eventual dissolução não podem ser solucionadas com regras próprias das obrigações. Recurso improvido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 14.156/98, em que é apelante MCFMPR e apelado CPR, ACORDAM os Desembargadores da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em negar provimento à apelação.
Versam os autos pedido de divórcio direto, formulado com base no art. 40, da Lei n.º 6.515/77, cumulado com pedido de reparação de danos morais decorrentes de ilícito contratual , configurado no descumprimento, por parte do réu, dos deveres do casamento.
A questão devolvida a este Tribunal, no entanto, diz respeito tão-somente à segunda porção da demanda, já que as partes estão acordes e conformadas com a solução dada à primeira, ou seja, de divórcio.
Não obstante o respeito que merecem os argumentos desenvolvidos pela apelante, tem-se que os mesmos não merecem prosperar, vez que, por ter dado razoável solução ao litígio, a decisão de improcedência do pedido de reparação de danos morais, merece ser confirmada.
Faz-se indispensável deixar claro, inicialmente, que a possibilidade de ressarcimento de danos não patrimoniais em razão da dissolução do casamento pelo divórcio, como se pretende, não é questão nova nem pacífica, seja na doutrina seja na jurisprudência.
Além daqueles que admitem tal possibilidade apenas quando há disposição expressa em lei, como acontece na França e em Portugal, existem aqueles que, considerando o casamento um simples contrato à semelhança dos contratos patrimoniais, a admitem com fundamento nas regras gerais da responsabilidade civil.
Não se pode, no exame da questão, por isso, deixar de considerar a discussão interminável que se trava em torno da natureza jurídica do casamento, especialmente as Teorias Institucionalistas, para as quais o casamento não é um mero contrato, mas uma instituição. Fundamentalmente, uma situação jurídica, cujas regras ou quadros estão previamente fixados pelo legislador.
O casamento seria, assim, uma instituição. Os nubentes seriam livres de se submeter, ou não, à instituição, mas uma vez a ela submetidos, teriam de aceitar tal qual ela é, sem possibilidade de modificar as regras que a regem (Cfr. Eduardo dos Santos, Professor da Universidade de Direito de Lisboa, In Direito de Família).
Vendo a questão por este ângulo, a conclusão inarredável a que se chega é a da inadmissibilidade da pretensão indenizatória: a uma, porque, entre nós, não há disposição expressa a respeito; a duas, porque as sanções pelas infringências às regras da instituição do casamento esgotam-se nas normas previstas que o regem, não se admitindo a aplicação de regras emprestadas de outros campos do Direito Civil, como se procura fazer na espécie.
Mesmo boa parte dos defensores das Teorias Contratualistas não discrepam do que se afirmou acima. Para JOSSERAND, COLIN e CAPITANT, entre outros:
"O casamento é o contrato que se não assemelha ao contrato do direito patrimonial.
O casamento está subtraído à livre vontade das partes: estas não podem estipular condições ou termos, nem opor cláusulas ou modos, nem disciplinar as relações conjugais de maneira contrária à lei. Só pode haver liberdade contratual no domínio dos interesses patrimoniais e, mesmo aí, em medida muito limitada (Cfr. Eduardo Santos In Direito de Família)."
Nessas condições, portanto, parece razoável que a pretensão indenizatória , como a deduzida pela apelante, não pode ser solucionada com fundamento nas regras próprias das simples obrigações, como se pretende. O eventual descumprimento dos deveres do casamento não se resolve em perdas e danos, como nas obrigações, porque dá ensejo à separação judicial e posterior divórcio, figuras do Direito de Família, que já trazem em si sanções outras, específicas, em detrimento do cônjuge declarado culpado, tais como: a mesma declaração de culpa, a obrigação ou a exoneração de prestar alimentos, a obrigação de partilhar os bens, conforme o regime de casamento, a perda da guarda dos filhos, a perda do direito de usar o nome do cônjuge varão. Sanções estas que, a não ser para os espíritos essencialmente materialistas, são mais eficazes para reparar os danos imateriais do cônjuge inocente do que a compensação do dano moral, que se pretende fazer com uma certa soma em dinheiro, em outras situações, convenhamos.
Se assim não se entender, se reconhecido o direito à indenização de danos morais, nos termos em que foi postulada, o que se admite apenas por amor ao debate e para não ser acusado de dele ter fugido , tem-se que, ainda assim, no caso, não haveria como ou porque dela se cogitar. Porque esse tipo de ressarcimento, mesmo nos países que o admitem expressamente, só pode ser deferido ao cônjuge inocente como acentua o Catedrático de Direito Civil de Coimbra, o festejado ANTUNES VARELA.
Na espécie entretanto, temos uma ação de divórcio direto, anteriormente denominada de divórcio excepcional ou extraordinário, fundado na simples separação de fato por mais de dois anos, na qual não foi e nem poderia ser considerada circunstância de culpa, que é própria do divórcio-sanção, requerido por um dos cônjuges, imputando ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento, daí resultando insuportável a vida em comum.
Dessa forma, porque, na espécie, não se fez - e não se poderia fazer - a consideração de culpa e de inocência, não há como deferir o ressarcimento dos alegados danos morais, até porque estes pressupõem um culpado.
Ademais, não sendo provenientes do divórcio, mas causados por um dos fatos que serviram de causa ao mesmo, tais danos não seriam indenizáveis, segundo lição do referido ANTUNES VARELA (In Direito de Família, Livraria Petrony - Lisboa - pág.500).
Por derradeiro, se tudo o que se anotou, até agora, não tem influência no desate do litígio, resta ainda analisar, dentro do contexto do pedido, a causa geradora dos reclamados danos morais, reafirmada na apelação, a qual seria o fato de ter o apelado levado a amante para residir no apartamento que reformou e que seria o futuro lar do casal, violando, dessa forma, os deveres do contrato de casamento, injuriando-a.
Acontece, todavia, que esse fato não ficou cabalmente demonstrado. A prova testemunhal não é segura. O que ela deixa transparecer é que o apelado, após voltar dos Estados Unidos, acolheu em casa uma americana, que ali teria ficado, no máximo, dois meses, o que não significa a mesma coisa que afirma a apelante, "data venia".
Não obstante as presunções maliciosas que se podem tirar de tal fato, isso não significa que a americana fosse, realmente, amante do apelado, nem que ela tenha residido no referido apartamento, em razão da evidência de que a referida senhora esteve no Brasil, apenas de passagem, à passeio.
Mas, ainda que assim não fosse, ainda que a referida americana fosse, na verdade, amante do apelado e com ele tivesse residido no apartamento que serviria de residência do casal divorciado, mesmo assim, a questão não mudaria de figura, vez que tal fato não tem a importância que se quer lhe emprestar. Pesadas bem as coisas, verificar-se-á que este comportamento não configurou qualquer violação dos deveres do contrato de casamento, nem constitui injúria.
É que, quando ocorreu, a apelante, por razões que, a esta altura, não interessam, já havia abandonado o apelado, deixando-o nos Estados Unidos, para ir viver na companhia de seus pais, onde se encontra até hoje. Na verdade, os laços do contrato ou do matrimônio já haviam se afrouxado pela separação de fato do casal, não se podendo mais exigir dos cônjuges o exato cumprimento dos deveres do casamento, como a coabitação, o débito conjugal ou a fidelidade. Em conseqüência, não se pode afirmar - repita-se - tenha ele violado os deveres do matrimônio, e muito menos, cometido qualquer ato ilícito capaz de gerar a obrigação de indenizar.
Ex-absurdo, debatendo no campo escolhido pela apelante, o do contrato de natureza patrimonial, poder-se-ia dizer, sem que tal constituísse qualquer exagero ou bizarrice, que se enfrenta, no caso, a exceção de contrato não cumprido, prevista no art. 1.092, do Código Civil, a qual dispõe que "nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro."
Assim, por essas considerações, nega-se provimento à apelação, inclusive no que respeita à questão relativa aos honorários advocatícios, vez que a apelante, face o consenso com o divórcio, foi a única sucumbente nesta demanda.
Rio de Janeiro, 13 de maio de 1999.
DES. MARLAN DE MORAES MARINHO
Presidente e Relator
2. Casamento, instituição ou contrato.
Trata-se de divórcio direto, como diz o acórdão, formulado com base no art. 40, da Lei n.º 6.516/77, cumulado com pedido de reparação de danos morais decorrentes de ilícito dito contratual, configurado no descumprimento, por parte do réu, dos deveres do casamento.
Em judiciosa análise procedida na Apelação Cível n.º 14.156/98 da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o seu Presidente e Relator do feito, Des. Marlan de Moraes Marinho ressalta que doutrina e jurisprudência não guardam entendimento pacificado, quando pertine de ressarcir danos morais em razão da dissolução do casamento.
Segundo exposto no corpo do acórdão, sendo institucional a natureza jurídica do casamento, os cônjuges aderem às regras públicas formuladas para o matrimônio e dentro de seu espectro não há expressão legal que preveja sanções materiais pela infringência às regras da instituição matrimonial.
Nem mesmo na teoria contratualista haveria condições de ordenar judicial indenização pela ruptura do matrimônio, porquanto, o contrato de casamento teria roupagem diferente do direito patrimonial, sendo vedado aos nubentes qualquer dilargação contratual impondo às núpcias, condições ou termos diversos daqueles antecipadamente ordenados em lei. Sob este especial enfoque, a decisão sob comento descarta qualquer pretensão indenizatória escorada em circunstancial desatendimento dos deveres do casamento, pois tais desalinhos porventura detectados na postura conjugal, embora próprios para a perseguição pelo cônjuge dito inocente, da sentença que dê desfecho jurídico ao seu matrimônio oficial, por outro ângulo, não guarda fôlego para ensejar aporte financeiro advindo destas presumíveis perdas e danos, tecnicamente amargadas pelo consorte que sofreu as conseqüências da culposa ruptura unilateral do casamento.
É que para a culpa pela ruptura do casamento já existem sanções previstas em lei, primeiro, com uma sentença que marque moralmente o esposo faltoso com o sinete da culpabilidade, depois, a culpa separatória deveria em tese, influenciar sobre a guarda da prole, não sem antes, condenar a mulher culpada com a perda do sobrenome de casada, afora os efeitos materiais que ordenem ou exonerem algum crédito alimentar.
Além desta proibição de indenizar, conferida pela indissociável costura de pertinentes regras presentes no substantivo Direito de Família, também conspira contra o propósito indenizatório a circunstância do pedido haver sido cumulado em processo direto de divórcio. É que o divórcio direto está fundamentado apenas no decurso do tempo, vedada qualquer discussão que tencione a imputação culposa contra um dos cônjuges e a conseqüente inocência do outro.
É verdadeiramente clássica a controvérsia acerca da natureza jurídica do casamento, se contrato ou instituição, embora uma terceira corrente propugne por sua natureza híbrida, com feição inicial de contrato especial do Direito de Família, com liberdade volitiva na escolha do cônjuge e do regime nupcial de bens, vertendo para uma natureza institucional com a celebração das núpcias, aderindo ao caráter institucional pré-ordenado pela legislação civil brasileira.
Contudo, doutrina e jurisprudência, como é de ver, estampam notória divergência, servindo trazer à lume, lição recente de Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos[1], para quem, sob efeito algum, os elementos publicísticos que impregnam o casamento, são capazes de comprometer a sua especial natureza contratual e tão própria do Direito de Família. Logo, não há como repudiar a indenização civil no campo do Direito de Família, apenas porque a legislação já prevê outros meios de punição do cônjuge culpado pela separação.
Yussef Said Cahali assinala a crescente manifestação doutrinária em favor do ressarcimento do sofrimento moral em razão da infração grave dos deveres conjugais e adverte, que já não mais vinga a fórmula passada, de impor apenas o encargo alimentar em favor do cônjuge inocente, como se tudo pudesse e devesse ser compensado pela paga alimentar, que em tempos mais distantes, era quase sempre devida e necessária.[2]
A despeito do caráter alimentar como panacéia indenizatória de todas as traumáticas separações de pesquisa da unitária autoria culposa, calha transcrever passagem doutrinária onde referi noutro trabalho que: "durante muitas décadas e dentro da filosofia de que o casamento deveria ter a duração da própria existência terrena dos cônjuges, não eram muitos os processos judiciais de separação, eis que escassas as causas justificadoras do antigo desquite e se determinado matrimônio batesse às portas do Judiciário, com efeito, que a culpa separatória restava usualmente compensada pelo crédito alimentício prestado em favor do cônjuge inocente." [3]
Mesmo antes da Carta Política de 1988 consagrar o ressarcimento pela lesão moral, Mário Moacyr Porto[4] já destacava a procedência cumulativa da ação de responsabilidade civil entre marido e mulher, independentemente da separação judicial contenciosa e, se fosse o caso, também independentemente da condenação em uma pensão de alimentos, fundada a reparação do ultraje moral na cláusula geral do artigo 159 do Código Civil e que a ampla regra do art. 5º, inciso X da Constituição Federal induvidosamente contempla, indiferente às considerações mais acadêmicas.
3. Dano moral na separação culposa.
A ordem judicial de reparação pelo dano moral é sanção atribuída ao lesante, para compensar o lesado pelos reflexos negativos por ele sentidos em sua personalidade, independentemente de haver repercussão em sua situação profissional, econômica, política ou social [5]. Seu objetivo é reparar a dor, o padecimento espiritual infligido à vítima de um evento danoso. A vigente Carta Magna de 1988 ao espraiar para a esfera da personalidade da vítima a teoria da reparação do dano civil, evidentemente que se escora na teoria da responsabilidade subjetiva, vale dizer, precisa vincular o dano à conduta culposa.
A judicial procedência da indenização em processo que cumula ressarcimento civil entre marido e mulher pela ruptura do casamento, jamais poderá ser ordenada, dispensando a análise processual do ato conjugal ilícito, quer seja ele doloso ou culposo, resultando na separação judicial por quebra dos deveres do casamento ou por alguma conduta desonrosa que importe na impossibilidade de reconciliação dos esposos, cuja convivência tornou-se insuportável, de acordo com o art. 5º, caput, da Lei do Divórcio. Como bem direciona atualizada doutrina [6], a responsabilidade civil subjetiva é pressuposto de dano moral, que não se sanciona pelo fato meramente objetivo, sendo necessário imputar dolo ou culpa, ao agir do cônjuge. Isto significa dizer, como é de levantar junto a mais recente doutrina que examina a reparação civil na separação judicial e no divórcio, que dentro do vínculo conjugal, a busca da indenização pela lesão moral ou material causada, parte da base de que há um culpado e que há um inocente vítima desta separação ruinosa.[7]
Desimporta que o ordenamento brasileiro não contenha qualquer norma específica sobre a indenização por danos morais acarretados pela culposa separação judicial, porque também não existe qualquer regra escrita que desautorize ou vede a sua reparação.[8]
Por conseguinte, não merece qualquer admoestação o aresto do Tribunal de Justiça carioca, quando atiladamente, afasta qualquer perquirição da culpa no processo litigioso de divórcio direto, como também está vedada a sua pesquisa nas separações judiciais intentadas com fundamento na ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo. [9]
Assim se dá, respeitadas opiniões em contrário, porque na separação judicial pedida pelo decurso de um ano de ruptura fática da coabitação, ou de dois anos para o divórcio, faz com que a ofensa esfrie a gravidade da infração conjugal. A inércia temporal conspira contra a invocação da causa da separação e faz com que os resíduos conflituosos não mais transpirem em processos onde a fática e já enfadonha ruptura transformou-se em silenciosa resignação.
É que depois deste razoável interregno temporal fica expressamente vedada a iniciativa conflituosa da separação judicial e mesmo do divórcio, pois que tempo e lei eliminaram do processo o regime causal da separação, autorizando a dissolução do casamento pela mostra única de sua irreversível falência, mostrando que com o passar do tempo, desapareceram a afinidade e a comunidade espiritual de vida que sustentavam o matrimônio, estando ambos os cônjuges resignados pela possível frustração de sua derrota nupcial. Mostrar sobretudo, que com o seu longo silêncio, os cônjuges desavindos já perdoaram eventuais desinteligências e possíveis excessos de conduta que tenham desonrado o seu casamento, como também permitiram que o tempo apagasse algum ressentimento nascido do descumprimento de expresso dever conjugal.
É a incidência fática do perdão, como a propósito assinala Aparecida Amarante, de que o perdão do cônjuge apaga os efeitos daquelas condutas desonrosas, já que, consiste em renúncia ao direito de invocar aquelas culpas[10] e esta mesma renúncia de invocar qualquer conduta conjugal culposa, também tem incidência decorrente da simples inércia do consorte que não buscou a imediata retorsão à ofensa conjugal, aforando sua demanda de separação litigiosa.
No entanto, antes de vencidos estes períodos de fática ruptura do casamento, parece inquestionável considerar que a voluntária quebra de qualquer obrigação nupcial e, dentro delas a doutrina também lista os deveres de respeito [11] e de estima, enseja a dissolução culposa da sociedade conjugal e a eventual reparação civil do efetivo dano causado.
4. A indenização por dano moral.
A indenização moral ressarce a dor, a angústia, a humilhação, a aflição física ou espiritual, em geral, complementa Zannoni [12], a indenização compensa os padecimentos que são infligidos à vítima do evento danoso.
E esta indenização tem e deve ter origem diversa das conseqüências jurídicas que são implícitas da separação culposa e que, embora condenem o cônjuge culpado pela ruptura do matrimônio, o sancionam com efeitos materiais e jurídicos já preestabelecidos em lei, como a perda de alimentos, do uso do patronímico de casada e eventualmente, até com a destituição do direito de guarda da prole.
Como prescreve Regina Papa dos Santos[13], a indenização moral não visa a compensar eventuais disparidades que possam ocorrer após a separação judicial e o divórcio, como também já pertence à história do Direito, qualquer discussão hoje só acadêmica, sobre se a pensão originariamente era indenizatória ou sancionatória, sabendo-se que, cada vez mais rara entre cônjuges, sua incidência está vinculada à excepcional necessidade de um e à solvência do outro cônjuge.
A indenização por dano moral dentro da separação judicial busca compensar o real sofrimento do cônjuge judicialmente declarado vítima da separação litigiosa, sua função é a de ressarcir a honra conjugal afetada, a integridade moral de que foi alvo o esposo ofendido, ou como prescreve o direito constitucional, garante a indenizabilidade da violação a todos os direitos de personalidade.
No Direito de Família, repara os danos morais causados pela violação do dever conjugal, ou por conduta considerada desonrosa e que tornem insuportável a vida em comum. Apenas que o tempo conta substancialmente na esfera de configuração jurídica do dano moral, cuja retorsão processual precisa ser imediata.
Como adverte Regina Papa dos Santos [14], é feita a distinção entre os danos acarretados pelo descumprimento de dever conjugal e os prejuízos oriundos da ruptura do casamento , onde os prejuízos morais devem ser imediatos e de imediato processados, para gerarem a reparação civil , pois que com o transcorrer do tempo, restam apenas os prejuízos oriundos da ruptura do casamento, que transitam noutra esfera e comportam outra ordem de compensação, pois são baseados nas disparidades que a ruptura do matrimônio pode originar[15], mas sem previsão de reparação civil no Direito brasileiro.
Portanto, o tempo age corrosivamente contra o consorte que vitimado pela separação culposa, resta inerte e não promove a sua ação de separação judicial causal em prazo hábil, inferior a um ano de fática ruptura física do casal. Ingressando o feito na discussão meramente temporal da separação ou do divórcio, descabe perquirir da culpa e do dano moral, assim como descabe buscar qualquer prestação compensatória que o Direito pátrio não contempla, pois como estampado no aresto comentado - não há como considerar a circunstância da culpa e de inocência num processo fundado na simples separação de fato, quando os laços do matrimônio já se afrouxaram pela separação de fato do casal.
[1] Reparação civil na separação e no divórcio, Saraiva, São Paulo, 1999, pp.57-61.
[2] Dano moral, Revista dos Tribunais, 2ª edição, São Paulo, 1999, p.666.
[3] MADALENO, Rolf. Direito de Família, aspectos polêmicos, Livraria do Advogado Editora, 1998, Porto Alegre, p.139.
[4] Responsabilidade civil entre marido e mulher, In Temas de responsabilidade civil, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1989, p.71.
[5] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais, 3ª edição, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997, p.65.
[6] ARIANNA, Carlos Alberto e LEVY, Lea. Daño moral y patrimonial derivado de la falta de reconocimiento, In Derecho de daños, coordenado por Carlos A. Ghersi, Editora Abeledo-Perrot, Buenos Aires, 1999, p.444.
[7] FERREIRA, Eduardo Vaz; FACIO, Jorge Peirano e ORDOQUI, Gustavo. Daños y perjuicios causados por adulterio, Fundacion de Cultura Universitaria, Montevideo, 1990, .24.
[8] SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação civil na...., ob. cit., pp.159-160.
[9] Lei do Divórcio (n.º 6.515/77) , art. 5º , § 1º A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de 1 (um) ano consecutivo, e a impossibilidade de sua reconstituição.
[10] Responsabilidade civil por dano à honra, Livraria Del Rey Editora, Belo Horizonte, 1991, p.206.
[11] Respeito, diz Arnaldo Rizzardo, Separação e divórcio, In Direito de Família contemporâneo, Del Rey, Belo Horizonte, 1997, coord. Rodrigo da Cunha Pereira, p.365 - " é um sentimento moral que se inspira na dignidade da pessoa, constituindo um valor merecedor da proteção legal."
[12] ZANNONI, Eduardo. A. El daño en la responsabilidad civil, 2ª edición, Editora Astrea, Buenos Aires,
1993, p.290.
[13] Reparação civil na separação..., ob. cit., p.129.
[14] Idem, ob. cit., p.153.
[15] Ibidem, ob. cit., p.154.