Curso de Direito de Família.

Autores: Rolf Madaleno

Rolf Madaleno / Editora Forense, 2008.

SINOPSE:

O Direito de Família vive em constante ebulição e os novos comportamentos sociais têm reflexo imediato nas relações familiares. Essas constantes mudanças sociais e familiares são retratadas neste Curso de Direito de Família que se propõe a pensar e repensar o Direito de Família. A prática dos foros e dos tribunais com as demandas familistas e cujas revolucionárias decisões do Judiciário têm servido para completar com maestria, renovação e amadurecimento para esta indispensável tríade na construção de um moderno Direito das Famílias. Expor e discutir estas mudanças é a proposta da presente obra.

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O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA E A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE NA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS

ROLF MADALENO

Advogado e Professor de Direito de Família na PUC/RS. Diretor Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Vice-Presidente do IARGS.

Sumário: 1. Efetividade processual – 2. Os alimentos no cumprimento da sentença (Lei 11.232/2005) – 3. A efetividade na execução – 4. A exceção de pré-executividade – 5. A objeção de pré-executividade diante do cumprimento da sentença – 6. O conteúdo da exceção de pré-executividade – 7. Momento de apresentação da objeção – 8. A exceção de pré-executividade no Direito de Família – 9. A exceção na execução de alimentos – 10. A objeção de pré-executividade e o habeas corpus na execução alimentar – 11. Execução por acordo alimentar condicional – 12. Execução de alimentos formulados em acordo extrajudicial – 13. Execução de sentença falsa – Bibliografia.

 

1. EFETIVIDADE PROCESSUAL

 

            Conta-se como ideal do processo judicial, em qualquer foro nacional ou internacional, a rápida prestação da justiça, pois a justiça lenta e, portanto, que tarda, não é real sinônimo de verdadeira justiça, antes disso presta um desserviço ao jurisdicionado que não conta com todo o tempo do mundo para que lhe reconheçam ou não o direito decorrente de fato jurídico que há certo tempo transcorreu por sua vida. Por princípio da efetividade deve ser entendida a consagração do resultado processual, realizado em tempo razoável e assegurados todos os meios de defesa inerentes ao direito de quem recorreu ao Judiciário.

 

Delosmar Mendonça Junior atribui à efetividade processual a condição de ferramenta fundamental na realização dos direitos pleiteado [1].Especialmente na esfera do direito de família, mostram-se sobremaneira sensíveis as vindicações judiciais que precisam responder às angústias pessoais, tão abaladas pelo influxo do tempo. Procurando sempre conciliar a rápida prestação jurisdicional com a segurança da mais irrestrita defesa, deve o direito aperfeiçoar-se na busca do exato ponto de equilíbrio em que a celeridade processual não prejudique o fundamental direito de poder exaurir os meios de defesa previstos pela lei.

 

            De qualquer forma, o excessivo tempo de demora de um processo, assim como indevidas dilações provocadas pelo uso excessivo de desmesurados atalhos, e de inconsistentes defesas, são mecanismos que acabam conspirando contra a democrática ordem jurídica e comprometendo a paz social, esta tantas vezes creditada apenas na esperança de uma eficiente tutela jurisdicional.

 

            Em nada contribui, portanto, para a credibilidade e confiança no direito e na justiça, um processo moroso, com resultado tardio, vazio de propósitos ou já de todo ineficiente por sua demora.

 

            Processo efetivo é obter em prazo razoável, uma decisão de igual razoabilidade, suficientemente justa e suficientemente eficaz no plano dos fatos, garantindo a utilidade da sentença que representa, ao final de todo o processo, a pretendida prestação jurisdicional, que deve ser indiferente ao resultado, mas que deve fornecer um rápido e eficiente resultado.

 

            Incontroverso o empenho do legislador e na mesma extensão o esforço do Judiciário em eliminar a inefetividade do processo através do corte de pontos de travamento de notória lentidão, com medidas realmente dirigidas à satisfação da efetividade processual.     

 

No campo de ação do direito de família mostram-se, sobremaneira, sensíveis as reivindicações judiciais por um processo com tramitação eficiente, capaz de responder com rapidez às angústias pessoais, causa freqüente de abalos e desgastes pelo inclemente influxo do tempo, especialmente quando se trata de buscar o alimento necessário à vida.

 

Portanto, quando a justiça é lenta e tarda a realizar o bem da vida postulado, e não se mostra nada eficaz, presta um desserviço ao jurisdicionado, que precisa do seu crédito alimentar para garantir sua própria sobrevivência. É direito fundamental de sua existência garantir a vida e vida digna, sem sofrer com morosa e ineficiente execução alimentar, que só retarda ou inviabiliza a realização do sagrado direito aos alimentos.

 

            A exagerada demora de um processo, bem como as indevidas dilações provocadas no claro propósito de manejo do tempo do processo, a desafiar a fome e a paciência do credor dos alimentos, com o uso excessivo e abusivo de inconsistentes defesas, são instrumentos que conspiram contra a democrática ordem jurídica e comprometem a confiança e o retorno que o jurisdicionado espera do Judiciário.

 

            A execução de alimentos é, com efeito, uma mostra viva e pungente do que deve ser um razoável tempo de tramitação processual para a concessão final da prestação jurisdicional.

 

            Na busca constante da efetividade, o legislador tem apresentado sucessivas reformas processuais, sendo delas um frisante exemplo a Lei 11.232/2005, denominada lei do cumprimento de sentença, que integra a execução de título judicial ao processo de conhecimento, com a tarefa de reduzir a tramitação processual, muito mais larga na execução da sentença. Prevê o novo texto legal uma sanção pecuniária pelo injustificado descumprimento da sentença, num esforço para contornar férteis manobras protelatórias, principalmente na fase de cognição e já inaceitáveis quando trespassam para a execução.

 

            Entrementes, no âmbito da execução de alimentos, nada foi alterado pela nova legislação,<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> que segue atrelada ao triste prenúncio de não conseguir retirar o credor de alimentos do verdadeiro calvário pelo qual transita desafortunadamente.

2. Os alimentos no cumprimento da sentença (Lei 11.232/2005)

 

            Com o advento da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, a execução de sentença deixou de ser um processo autônomo e passou a ser apenas uma etapa complementar do processo de conhecimento onde foi proferida.

 

A nova execução de sentença, agora denominada de cumprimento da sentença, traz como característica a circunstância de ser promovida no mesmo processo em que a sentença foi proferida, mas desde que haja sentença, a ser simplesmente cumprida, não mais dependendo de processo autônomo para execução. Contudo, a reforma operada pela Lei 11.232/2005 não alterou nenhum dos dispositivos referentes à execução da prestação alimentícia.<!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--> Para começar, os alimentos provenientes do direito de família não estão disciplinados pelo art. 475 do CPC, cujo dispositivo foi alterado pela Lei 11.232/2005, primeiro, porque existem alimentos liminares, denominados de provisórios ou provisionais, que são fixados em sede de antecipação de tutela ou em medida cautelar, no início ou no curso do processo, enquanto o art. 475 do CPC trata de cumprir sentença que já arbitrou os alimentos definitivos e transitados em julgado.

 

            Também não pode ser esquecido que existem alimentos sem origem no direito de família, oriundos do direito das obrigações ou provenientes de legado do direito sucessório, todos ajustados por iniciativa do obrigado, por contrato ou por legado em testamento, onde não há qualquer sentença para cumprir.

 

            Desse modo, em relação aos alimentos do art. 1.694 do Código Civil, a sua execução continua pela coerção patrimonial ou pessoal e pela sub-rogação dos arts. 732, 733 e 734 do CPC, desafiando os embargos do executado e a justificativa do art. 733, não estando contemplados pelo cumprimento de sentença condenatória.

 

Diz Cassio Scarpinella Bueno que, “a ação de alimentos assume foros, em sua efetivação prática, de executividade e mandamentalidade”.<!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]-->

 

            Mas a condenação a prestar alimentos não é restrita ao direito de família, havendo casos em que a indenização será prestada a título de pensão de alimentos. São as hipóteses dos alimentos indenizativos previstos nos arts. 948, II, e 950 do Código Civil, e para os quais faculta o art. 475-Q a constituição de capital cuja renda assegure o pagamento dos alimentos decorrentes de indenização por ato ilícito.

 

            Observa Carlos Alberto Alvaro de Oliveira<!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--> ser expressão majoritária do STJ que os honorários advocatícios não integram o capital a ser constituído para garantir o pagamento das parcelas vincendas da pensão, limitando-se, portanto, ao crédito alimentar, muito embora os arts. 21 e 22 da Lei do Divórcio façam menção à constituição de garantia real ou fidejussória para assegurar o pagamento de pensão alimentícia, mas com origem no direito de família, ressalvando o parágrafo único do art. 22 da lei divorcista que, no caso de não-pagamento das prestações no vencimento, o devedor responde também por custas e honorários de advogado, apuradas simultaneamente. Ou seja, no passado, a constituição do capital também incluía recursos para segurança do pagamento das custas e da verba honorária, em complemento ao crédito alimentar.

 

            Este capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor (§ 1.º do art. 475-Q), ficando a critério do juiz substituir a constituição desse capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado pelo juiz (§ 2.º do art. 475-Q).

 

            Para Luiz Rodrigues Wambier<!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--> há, na atualidade, certo temor na opção pelo desconto em folha, pois, sabidamente, nenhuma empresa está livre dos riscos impostos pela instabilidade econômica.

 

            De qualquer forma, nada desaconselha o desconto mensal da pensão alimentícia indenizatória em folha de pagamento junto ao empregador que ao tempo da opção se mostre econômica e financeiramente solvente, sendo razoável dispensar a constituição prévia de capital, que sempre poderá ser determinado ao menor sinal ou rumor de desestabilização da empresa que incluiu o beneficiário da pensão alimentar indenizativa em sua folha de pagamento.

3. A efetividade no cumprimento da sentença

 

            No âmbito atual do cumprimento da sentença, e disso não fogem as hipóteses processuais ainda abarcadas pelas modalidades executivas, seu escopo é proporcionar ao titular da demanda o resultado prático extraído de seu título de crédito judicial, ou extrajudicial, independentemente da vontade concreta do devedor da relação de obrigação. Quando ainda inexistente a Lei 11.232/2005, advertia Zaiden Geraige Neto,<!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--> o processo executivo estava muito aquém do seu objetivo, pois encontrava-se maculado de vícios que dificultavam e até impediam seu verdadeiro desenvolvimento, e estes entraves do processo estimulavam a inadimplência e instigavam os pensadores jurídicos para a busca de outras soluções capazes de conferir a efetividade executiva, vista pelo olhar do credor exeqüente e cujo resultado prático parece haver encontrado parcial resultado com o instituto do cumprimento da sentença, sem mais reclamar a instauração do processo de execução como ação judicial autônoma, salvo para as execuções apoiadas em títulos executivos extrajudiciais, onde inexiste anterior processo de conhecimento, nas execuções de alimentos e também na execução contra a Fazenda Pública, que seguem atadas ao processo executivo tradicional.

 

            Mas, alerta Olavo de Oliveira Neto,<!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--> que não existirá efetividade processual se a preocupação com a prestação jurisdicional for dirigida apenas para os interesses da parte ativa da demanda, esquecendo que a postulação tem duas vias, e que também o agente passivo do litígio está protegido pelo manto da efetividade, eis que a ele deve interessar, em certas condições, a agilidade e a sumarização do rito, especialmente quando a execução viola a olhos vistos os seus direitos, desejando ver aplicada a mais pronta e menos traumática prestação jurisdicional. É que os embargos ainda vigentes para determinadas execuções e a impugnação para o cumprimento de sentenças judiciais nem sempre podem ser o único, moroso e dispendioso caminho para a defesa do executado, particularmente quando salta aos olhos a injustiça da cobrança empreendida, não sendo justo permitir a invasão ao patrimônio do devedor, para somente depois se abrir o direito ao contraditório e à defesa do acionado.<!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]-->

 

            Era preciso também encontrar um rápido acesso à tutela do executado, que à vista de uma ação completamente infundada, sustentada em título nulo e inexigível, pudesse valer-se dos práticos instrumentos de resolução processual, para demonstrar, em instantânea cognição, a evidência de seu direito e o flagrante abuso da execução.

 

4. A exceção de pré-executividade

 

            Fruto de criação pretoriana e da doutrina, a exceção ou objeção de pré-executividade surgiu como um meio de defesa do devedor no processo de execução, independentemente da oposição de embargos e na atualidade, independentemente da impugnação em função do instituto do cumprimento da sentença, da Lei 11.232/2005, como instrumentos legais para obviar os dolorosos caminhos da aplicação de multa e prévia realização da penhora.

 

Para Galeno Lacerda, que priorizou a discussão do tema, seria de uma “violência inominável impor ao injustamente executado o dano, às vezes irreparável, da penhora prévia, ou o que é pior, denegar-lhe qualquer possibilidade de defesa, se, acaso, não possuir ele bens penhoráveis suficientes”.<!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]-->

 

            A exceção ou objeção de pré-executividade, como projetada ao tempo do processo de execução também dos títulos judiciais, objetivava eliminar a oposição do executado pela penosa via dos embargos do devedor, admitindo a sua defesa nos autos da execução e sem a necessidade de interposição de embargos. Para um segmento da doutrina, a exceção de pré-executividade só teria trânsito quando ficasse evidenciado que a execução se ressentia dos requisitos formais de um título executivo judicial ou extrajudicial, faltando ao título a sua certeza, liquidez e exigibilidade, como estabelecido pelo art. 586 do CPC.

 

            Nenhum título executivo judicial ou extrajudicial pode ser considerado completo e apto para cobrança judicial se não contiver representação documental de obrigação líquida, certa e exigível, adiciona Teori Albino Zavascki,<!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--> pois só será líquido o crédito que dispensa apurar o seu importe final, ainda que dependente de alguns ajustes de correção ou de amortização do seu valor, sendo exigível porque ausente qualquer condição suspensiva ou termo outro que não o do seu concreto vencimento, sendo certo quem deve, a quem deve e quanto deve.

 

Marcos Valls Feu Rosa destacava tais pressupostos de regular desenvolvimento do processo executivo, aduzindo ser preciso para “dar início à execução, o juiz verificar, antes de mais nada, se há título executivo judicial ou extrajudicial, o que, nos termos do art. 583 do Código de Processo Civil, é a base de toda execução. Se há nulidade, vício pré-processual ou processual que torna ineficaz o título apresentado pelo autor, não há por via de conseqüência título exeqüível e, nestas condições, deve a inicial ser indeferida”.<!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]-->

 

Logo, ausentes os requisitos formais da execução, mostra-se patente a ineficácia executiva do título e se afigura claramente dispensável a prévia penhora para garantir o juízo executório, que só agravaria as relações sociais e econômico-financeiras do executado, diante de indevida restrição de seu patrimônio e de seus direitos, com repercussão negativa e totalmente desnecessária em sua esfera econômica, frente à nulidade do título posto em execução.